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Panorama de crivos: Brun, Selberg e o problema da paridade.

Panorama de Crivos: Brun, Selberg e o Problema da Paridade


Introdução aos Crivos

O estudo de primos gêmeos está intimamente ligado aos métodos de crivo, que são uma das ferramentas analíticas mais poderosas da teoria dos números. A filosofia básica de um crivo é estimar o tamanho de um conjunto de inteiros removendo sistematicamente aqueles divisíveis por primos pequenos.

Formalmente, dado um conjunto ANA \subset \mathbb{N} e um conjunto de primos PP, define-se:

S(A,P,z)={nA:gcd(n,P(z))=1},P(z)=p<zpS(A, P, z) = \{ n \in A : \gcd(n, P(z)) = 1 \}, \quad P(z) = \prod_{p < z} p

A análise desses conjuntos fornece informações sobre a distribuição de primos e constelações de primos, como os primos gêmeos.

Crivo de Brun e o Primeiro Avanço

Em 1919, Viggo Brun introduziu o primeiro crivo sistemático capaz de atacar o problema dos primos gêmeos. Seu resultado histórico é o Teorema de Brun, que afirma que a série dos recíprocos dos primos gêmeos converge:

p primop+2 primo1p<\sum_{\substack{p \text{ primo} \\ p+2 \text{ primo}}} \frac{1}{p} < \infty

Esse resultado foi revolucionário, pois demonstrou que, embora os primos gêmeos sejam conjecturalmente infinitos, eles são raros em comparação com todos os primos. A constante associada a essa soma é conhecida como Constante de Brun B2B_2.

Esboço da demonstração: Brun aplicou um crivo combinatório baseado em inclusão-exclusão em pares de inteiros, truncando a expansão de forma controlada. Isso gerou limites superiores e inferiores para a função de contagem de primos gêmeos π2(x)\pi_2(x), mostrando decaimento suficiente para a convergência da série.

Crivo de Selberg e Refinamentos

No meio do século XX, Atle Selberg introduziu um crivo baseado em um princípio variacional, que produzia limites superiores mais limpos e era “independente de dimensão”.

Para primos gêmeos, o crivo de Selberg leva a limites superiores do tipo:

π2(x)x(lnx)2\pi_2(x) \ll \frac{x}{(\ln x)^2}

Isso é consistente com a heurística de Hardy–Littlewood, mas ainda não fornece limite inferior para provar infinitude.

Esboço da demonstração: Selberg utiliza pesos não-negativos λd\lambda_d para minimizar o erro na estimativa de conjuntos crivados. Construindo a forma quadrática:

Q(λ)=d,eλdλeA[d,e]AQ(\lambda) = \sum_{d,e} \lambda_d \lambda_e \frac{|A[d,e]|}{|A|}

e escolhendo λd\lambda_d para minimizar QQ, obtêm-se os limites superiores ótimos para π2(x)\pi_2(x).

O Problema da Paridade

Apesar da força dos crivos, existe uma limitação estrutural conhecida como problema da paridade: os métodos de crivo não conseguem distinguir números com número ímpar ou par de fatores primos. Isso impede que os crivos provem diretamente a infinitude de primos gêmeos ou primos da forma n2+1n^2+1.

Exemplo: qualquer limite superior obtido via crivo possui um limite inferior “dual” da mesma ordem, mas deslocado pelo obstáculo da paridade. Assim, podemos provar:

π2(x)x(lnx)2\pi_2(x) \ll \frac{x}{(\ln x)^2}

mas não

π2(x)x(lnx)2\pi_2(x) \gg \frac{x}{(\ln x)^2}

sem informações analíticas adicionais.

Conexão com Hardy–Littlewood

A heurística de Hardy–Littlewood (HL2) fornece uma previsão refinada:

π2(x)2C2Li2(x)\pi_2(x) \sim 2 C_2 \operatorname{Li}_2(x)

onde Li2(x)=2xdt(lnt)2\operatorname{Li}_2(x) = \int_2^x \frac{dt}{(\ln t)^2} e C2C_2 é a constante dos primos gêmeos.

Nota: HL2 integra fatores locais de pequenos primos e assume independência “quase perfeita” dos números. Isso fornece uma estimativa para a densidade de primos gêmeos, mas não resolve o problema da paridade.

                                          fonte: autor - >  https://colab.research.google.com/#scrollTo=C4HZx7Gndbrh
                                       


Conclusão da Seção

Os métodos de Brun e Selberg forneceram limites superiores essenciais e introduziram os obstáculos do problema da paridade, enquanto a heurística de Hardy–Littlewood oferece estimativas detalhadas de densidade relativa e crescimento de π2(x)\pi_2(x).


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